segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Cientistas estudam região colombiana em busca de cura para Alzheimer


Com apenas 40, 50 anos de idade, moradores começam a perder a memória, a fala e toda a capacidade de raciocínio. O Fantástico foi a uma região distante, nas montanhas da Colômbia, para conhecer pessoas vítimas de uma sina que desafia a ciência. Com apenas 40, 50 anos de idade, elas começam a perder a memória, a fala e toda a capacidade de raciocínio. O mistério está atraindo a atenção de médicos do mundo inteiro e pode guardar a chave para a cura de uma doença devastadora. A reportagem é de Álvaro Pereira Junior e Marcelo Benincassa.
Nas montanhas do noroeste da Colômbia, gente ainda jovem já se esquece de tudo. “A memória se vai muito rápido. O que se sabe, logo se esquece”, conta uma moradora.
“Ele não entende nada. Nada, nada. É raro quando entende alguma coisa”, relata uma mulher.
“Ela chora e a gente não sabe por quê”, diz outra.
Isso acontece há muitas gerações. Literalmente, há séculos.
A doença, vista como uma maldição, tinha um nome popular: "la bobera" - a bobeira.
Demorou, mas um dia ela saiu do universo da superstição e foi descoberta por um cientista.
Essa história começa no Hospital San Vicente de Paula, o maior de Medellín. Era o ano de 1984 quando um médico recém-formado, chamado Francisco Lopera, atendeu um caso muito estranho. Era um homem de 47 anos, portanto, relativamente jovem e que já apresentava claros sinais da doença de Alzheimer. O doutor Francisco ficou intrigado, e conversando com o paciente descobriu que ele veio de uma aldeia a quatro horas de Medellín. E que, nesse vilarejo, muitas pessoas tinham exatamente a mesma doença. Gente jovem que ia se esquecendo de tudo e em pouco tempo estavam com Alzheimer avançado. O doutor Francisco decidiu conhecer essa história de perto, chamou a sua enfermeira de confiança e se embrenhou pelo interior montanhoso da Colômbia para investigar.
Mas era uma época difícil de viver no país. Ainda mais para viajar. Nos anos 80, a Colômbia fervia e o centro da violência era Medellín. Nas ruas e vielas da segunda maior cidade colombiana, quem reinava era Pablo Escobar, o patrão de um cartel milionário e brutal de tráfico de cocaína.
Na zona rural, a situação não era mais tranquila. Milícias paramilitares de extrema direita agiam por ali. E a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias, as Farc, naquela época muito mais fortes do que hoje, combatia o exército em meio às montanhas.
Assim, o trabalho do médico Francisco Lopera não era só uma missão científica: era também uma aventura.
Francisco Lopera, neurologista: Sequestraram uma enfermeira por três dias, junto com as amostras de sangue. Parece que eram as Farc, mas não temos certeza. Era um grupo de guerrilheiros.
Hoje, 30 anos depois, não existe mais um clima tão pesado de violência. Mas o acesso aos povoados onde vivem os pacientes continua bem difícil. Não tanto pela distância, a cerca de 100 quilômetros a partir de Medellín. Mas pelas estradas, que são estreitas, passam por dentro das cidadezinhas, e às vezes nem são asfaltadas.
Depois da cidade de Liborina, a principal dessa região agrícola, a passagem se estreita. A partir de determinado momento, não tem mais jeito de seguir de carro, só tem duas maneiras: ou a pé ou a cavalo.
O Fantástico chegou à primeira casa onde existe uma família que tem o problema do Alzheimer precoce. Os cientistas pediram que a reportagem não informe o sobrenome dos entrevistados, para não estigmatizar as famílias.
Dona Olga, de 58 anos, nasceu na cidade, mas trabalhou muito tempo como empregada doméstica em Medellín. A doença tem uma influência devastadora na família: Olga perdeu o pai, as tias e quatro irmãos.
“Eles eram pessoas normais, tinham suas aventuras, muito normais. É triste ver como vão decaindo. É triste”, conta Olga.
Dona Olga deixou Medellín para trás e voltou para o campo. Tudo para cuidar de outros dois irmãos, que agora também começam a esquecer.
Fantástico: Eles não sabem que estão doentes?
Olga: Não, não sabem. Não aceitam a doença.
Mais um longo percurso de veredas, subidas e descidas, e chegamos a outra casa isolada, onde um primo de Olga, Elpídio, está doente. A mulher, Yolanda, se dedica 100% a ele.
Fantástico: E como a senhora percebeu que ele estava ficando doente?
Yolanda: Ele começou a repetir as coisas. Ria. Até chorava rindo por aí. Eu perguntava: "Por que está rindo?". E ele respondia: "É melhor rir do que chorar".
Fantástico: Ele entende as coisas?
Yolanda: Não entende nada.
Elpídio tem 69 anos. Começou a esquecer aos 60. Relativamente tarde, se comparado aos primos.
Olga: Ele tem 48 anos. O outro que está piorzinho, ele tem 57 anos.
O Alzheimer, normalmente, não atinge esse nível de gravidade tão cedo. Em geral, os primeiros sintomas, leves, aparecem depois dos 60, 65 anos. E, em média, a pessoa só fica totalmente incapacitada depois dos 80.
Mas, nas montanhas em torno de Medellín, tudo acontece muito mais cedo e muito mais rápido.
“A doença começa aos 45, 50 anos. Chega na idade mais produtiva da vida e é uma catástrofe para a família”, afirma Lopera.
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, ou seja, vai destruindo gradativamente as células do sistema nervoso, os neurônios. Os cientistas sabem que ele está associado ao acúmulo no cérebro de um certo tipo de proteína. Ao longo dos anos, as proteínas vão formando placas, que matam as células nervosas.
Nisso, o Alzheimer mais comum é igual ao do tipo precoce, que é encontrado na Colômbia. Mas o que acontece com os pacientes colombianos tem características bem específicas:  é um Alzheimer provocado por uma mutação genética, um defeito no DNA. E é fortemente hereditário.
“Qualquer um que tenha a doença tem 50% de chance de transmitir para os filhos”, afirma Lopera.
Fantástico: Qual a idade do paciente mais jovem que manifestou a doença?
Lopera: 32 anos.
Para entender por quê, nessa região da Colômbia, as pessoas tinham Alzheimer tão cedo, o doutor Francisco, então um jovem médico, precisou aliar ciência e a história. E foi para um povoado chamado Yarumal, de onde vinha seu primeiro paciente.
O que ele queria era mergulhar nas certidões de batismo, estabelecer graus de parentesco entre os doentes, montar as árvores genealógicas, voltar no tempo. E, a partir daí, descobrir quem é que tinha trazido essa mutação genética para a região. Muito provavelmente, um imigrante europeu.
Lucia ajudava o doutor Francisco. “Tivemos que ir às igrejas, às casas rurais, para que deixassem a gente ver os livros onde estavam a ficha de nascimento de cada pessoa”.
Os dois se embrenharam no passado. E conseguiram localizar na história o casal de imigrantes que trouxe, no século XVIII, esse defeito genético para a Colômbia.
“A mutação chegou na época da colônia e foi se espalhando”, explica o doutor.
A pesquisa do doutor Francisco se modernizou. E hoje ele chefia um dos laboratórios mais avançados do mundo no estudo do Alzheimer.
Além de cuidar da parte científica, os cientistas fazem um acompanhamento social das famílias, na maioria muito pobres. Como a da Paula, de 18 anos. Ela mora na favela de Santo Domingo, a mais alta de Medellín. Paula largou tudo para cuidar da mãe, que tem só 50 anos.
Fantástico: Hoje você não estuda?
Paula: Não. Tenho que cuidar da minha mãe e não tenho tempo. Lembro que ela era muito protetora comigo. Agora sou eu quem protege ela. Eu troco as fraldas, tento deixar ela sempre bonitinha.
Fantástico: Você acha que sua mãe sabe o que está acontecendo ao redor dela?
Paula: Acho que às vezes sim. Às vezes ela olha pra gente com um olhar triste.
Em outro bairro humilde de Medellín, Eliana teve que assumir a criação dos irmãos depois que a mãe ficou muito doente, e tinha só 46 anos: “Sou quem tem que cuidar dela. Estou ao lado da minha mãe quando acordo e estou ao lado da minha mãe quando vou dormir”.
Os parentes também convivem com uma incerteza: a de que, eles próprios, um dia fiquem doentes. “é uma loucura conviver com isso, porque eu penso ‘ah, vou ter, a minha filha vai ter’, nós pensamos: ‘estamos todos doentes’. É uma loucura para nós”, conta Eliana.
Mas é exatamente esse risco tão alto que também traz uma esperança. Como, para essas famílias, o Alzheimer chega cedo e avança rápido, Medellín e seus arredores se tornaram um lugar ideal para avaliar novos remédios contra a doença, que hoje ainda não tem cura.
Um dessas drogas já está em testes, em pessoas que têm a mutação genética, mas ainda não manifestam a doença.
“A esperança é que o remédio funcione. Que se tenha uma de duas coisas. Ou uma prevenção dos sintomas, ou um atraso, que faça com que eles demorem muito para aparecer. Qualquer um dos dois será um bom resultado”, diz Lopera.
Nas montanhas e nos bairros pobres de Medellín, quem convive com a doença procura olhar para frente.
“Eu me vejo trabalhando e em uma faculdade”, sonha Paula.
“Estar superbem, sem a doença e poder levar a vida adiante”, deseja Eliana.

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