segunda-feira, 29 de setembro de 2014

História de superação

A história de Roseny de Freitas Alves, 54 anos, daria um livro. Ou melhor, dois.
Roseny nasceu em Novo Horizonte, com paralisia cerebral. Por conta da doença, ainda criança começou a apresentar dificuldades para se locomover e falar, o que não impediu seu completo desenvolvimento cognitivo.

Foi alfabetizada em casa pela mãe, Clarice, e as tias, professoras, que lhe despertaram o gosto pela leitura e pela escrita. Tanto que já publicou “Minha História em Crônicas”, com edições esgotadas em 1999 e 2000, e “Literatura: Minhas Palavras”, lançado em 2010 e 2011.

Radicada em Rio Preto há cerca de 20 anos, Roseny gosta das obras de Clarice Lispector e Paulo Coelho, mas garante que não se inspira em outros autores para criar. Assim como Clarice, diz que não pretende agradar ninguém.

Bem...

“Ninguém” pode não ser a palavra mais apropriada. O pai, Seu Luiz, 79 anos, é figura recorrente em seus textos e dedicatórias. Em um dos exemplares da obra de estreia, a letra trêmula feita à caneta azul faz um lembrete: “Eu adoro ser sua filha, sabia?” A declaração de amor continua no trabalho seguinte, com “Meu Maior Amor, Meu Pai”, em que compara a presença dele ao nascer do sol. “O futuro é hoje, como disse Clara Clarice. Meu amanhecer não seria o mesmo sem o senhor para dar-me um ‘bom dia’! E esse bom dia tem a duração de vinte e quatro horas de paz se depender só do senhor, meu pai querido!”, diz, no trecho inicial.

Durante toda a vida, Seu Luiz foi o grande companheiro de Roseny para passeios e diálogos que a faziam sorrir. Companheirismo intensificado com a morte da mãe, em 1993. O sofá puído da sala, que contrasta com o quadro de girassois, símbolo de felicidade, revela em parte a vida simples da família Alves. Pai e filha sobrevivem dos proventos de aposentadoria e pensão, mas o dinheiro não parece ser suficiente para suprir as necessidades da nova fase da vida dos dois.

Seu Luiz, que começou a apresentar os primeiros sinais de Alzheimer há sete anos, já não fala e pouco se movimenta. Três meses atrás, sofreu um infarto e permanece hospitalizado, em estado debilitado. Na última semana, recebeu alta médica, mas, menos de 24 horas depois, foi obrigado a deixar a própria casa outra vez. A solidão e o sentimento de incapacidade para ajudá-lo se transformam em coragem para uma visita na UTI. Roseny se desmancha em lágrimas ao se lembrar da mão dele, gelada e atrofiada, durante sessão de hemodiálise numa máquina que ela nunca tinha visto antes.

“Choro agora de saudades, choro pela luta diária do meu pai. Mas choro pela sua vitória, choro por ter que pôr um avental branco e luvas para poder chegar perto dele. Choro por ele que não chora. Talvez não saiba mais quem sou eu, mas sente o meu carinho, o calor das minhas mãos encobertas pelas luvas, mas que não retém o meu carinho”, escreveu, nas redes sociais. A filha dedicada quer retribuir os cuidados que sempre recebeu, seja no próprio lar ou em uma casa de repouso - visto que os equipamentos e funcionários necessários para mantê-lo por perto são bem caros e o convênio médico não se compromete em custeá-los.

Em uma tentativa - até desesperada, pode-se considerar assim - de conseguir dinheiro extra para arcar com os gastos, Roseny colocou à venda os últimos 47 exemplares de “Literatura: Minhas Palavras”. O material pode ser adquirido na Biblioteca Municipal de Rio Preto, por R$ 20 cada unidade. Até o fechamento desta edição, havia sido vendido 1 exemplar. Ela não pretende voltar a escrever tão cedo. Além dos entraves mercadológicos para comercializar títulos sem fama, há o agravante emocional. Mas a literatura segue como coadjuvante de uma história repleta de superação e silêncio.

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