quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Manejando os problemas cotidianos




Após o início dos sintomas, alguns pacientes que ainda mantêm algum grau de autonomia passam a apresentar problemas com relação à sua independência, podendo realizar atos que terminam por prejudicá-los, colocando em risco sua segurança física e financeira.

Quando impedir que o paciente administre bens e valores?
Quando ele deve parar de dirigir?
Quando deixar de trabalhar?


Essas são algumas entre outras questões que devem ser analisadas com cuidado, com vistas a evitar mudanças bruscas com cerceamento violento da independência.
As questões básicas que norteiam as decisões a serem tomadas são:

O paciente pode realizar a tarefa completamente?
Pode realizar essa tarefa com segurança, sem riscos para si ou para terceiros?
Pode realizar essa tarefa sem alterações no seu comportamento habitual, sem angústia ou irritabilidade?


Qualquer resposta negativa a uma dessas questões conduz à necessidade de tomar alguma atitude. Embora toda limitação imposta ao paciente gere uma perda de seu nível de independência, é necessário que os profissionais que lidam com ele sejam pragmáticos.
Pacientes que ainda mantêm algum grau de discernimento, costumam agarrar-se a determinadas atividades, como dirigir (especialmente os homens), por conferir-lhes um grau de reafirmação perante os próprios déficits. Mesmo que a limitação imposta seja mal recebida a princípio, não devemos ceder para ter a garantia da própria segurança do paciente e a de terceiros. Uma vez tomada a decisão de limitar alguma atividade, algumas estratégias amenizam os efeitos desse cerceamento.


Uma pergunta frequente, motivo natural de grande preocupação, diz respeito a quando e como limitar o gerenciamento de dinheiro e de outros valores. O controle do dinheiro e dos bens é fundamental para o paciente, pois isso traduz sentimentos de independência e de senso de responsabilidade. Dessa maneira, é imprescindível para o paciente que essa transição seja suavemente administrada. A retirada brusca de todos os seus bens pode ser causa de grande insegurança, levando-o a apresentar, por vezes, graves distúrbios de ordem comportamental. Evidentemente, isso se aplica especialmente à fase inicial, em que a fronteira relativa ao discernimento ainda não está bem estabelecida.
Os talões de cheques e cartões de créditos devem ser cancelados, “perdidos” ou escondidos.
O valor das cédulas normalmente é mal compreendido pelo pa-ciente, e, dessa forma, ele pode ter em seu poder um grande número de cédulas que absolutamente não representam valores substanciais. Esse artifício é muito bem aceito, e o paciente continuará a sentir-se seguro com seus bens.
Determinados pacientes queixam-se e chegam a ficar agressivos querendo informações a respeito de seu dinheiro, onde está e como está sendo gerido. A manutenção de um diário no qual se registram os números relativos às suas economias, discriminados de modo simples, ainda que não muito bem entendidos, demonstra que alguém está tomando decisões acertadas e costuma servir para acalmar o paciente.
Quando o paciente é conhecido na vizinhança, as lojas próximas devem ser avisadas do problema que ele enfrenta, a fim de evitar que compre objetos caros em virtude de ser conhecido e possuir crédito.
De acordo com cada caso e respeitados os costumes que imperam no seio familar, várias possibilidades criativas podem ser aplicadas. É imperioso que, na fase inicial, a família se reúna e defina o rumo das finanças do paciente. Nos casos iniciais e quando não há um bom entendimento entre familiares, esse problema pode tornar-se extremamente grave.
Não são raras as seguintes situações: filhos que não se entendem, dis-putam uma assinatura em procuração plena ou transferem bens contra a vontade de outros irmãos ou familiares. O conflito familiar, por razões de várias origens, só tende a ser contraproducente, e, quando a questão financeira entra no rol das disputas, o ambiente torna-se ainda mais negativo e desfavorável. O aconselhamento jurídico por profissional especializado, nesses casos específicos, é fundamental.


Talvez a maior perda que o indivíduo possa sofrer é ser afastado compulsoriamente do trabalho. Vários fatores vão determinar de que maneira esse afastamento será realizado, porém a melhor estratégia, se possível, é a preparação. Determinadas profissões pelos riscos que apresentam ou pelo peso de responsabilidade que abrigam não são passíveis de preparação adequada. Um cirurgião ou um motorista de ônibus poderão cometer erros fatais, logo, o afastamento nesses casos não pode ser adiado.
Na estratégia proposta, o primeiro passo é conversar com o chefe imediato. Certas pessoas são solidárias e podem, mudando a ocupação do paciente, retardar o seu desligamento da empresa, conferindo-lhe tarefas de menor responsabilidade. Após o desligamento, é comum que sobrevenham estados depressivos que devem ser avaliados clinicamente.
A perda da atividade laborativa pode, de alguma maneira, ser amenizada por ocupações domésticas ou atividades alternativas. Ocupar o paciente, mantendo-o ativo e fazendo-o sentir-se útil, é positivo, mas é imprescindível considerar as limitações dele, não se deve pressioná-lo nem delegar-lhe tarefas complicadas.
Normalmente, o afastamento do trabalho por doença provoca também uma perda substancial no poder aquisitivo, por essa razão deve-se estar inteirado de todas as possibilidades imagináveis de eventuais benefícios ou seguros a que o paciente tenha direito.


O ato de dirigir depois de determinado tempo de experiência torna-se uma atividade praticamente automática. Esse fato faz que certos pacientes continuem dirigindo, aparentemente sem problemas, na fase inicial, mas é importante restringir essa atividade. Apesar de o paciente aparentar autossuficiência, dirigir é um ato complexo, dependente de reflexos, rápidas tomadas de decisão etc., que invariavelmente estão comprometidos em maior ou menor grau.
A primeira providência é tentar explicar o porquê da restrição e essa conversa, se presenciada por uma pessoa em que o paciente confie, por exemplo o médico, pode ajudar no processo de convencimento.
Em geral, uma razão bem-aceita pelos pacientes é dizer-lhes que devem parar de dirigir por razões de saúde e que isso não está diretamente relacionado à sua deterioração cognitiva.
Uma opção muito razoável é vender o carro e apresentar ao paciente várias razões de ordem prática (como problemas no motor). Em pouco tempo, o paciente costuma esquecer-se do assunto.


As adaptações do ambiente onde convivem o paciente e o cuidador são fundamentais na prevenção de acidentes. Um dos primeiros passos é reorganizar o dia a dia para facilitar o convívio e nesse processo está a organização da casa. Geralmente, as casas são construídas e mobiliadas de uma maneira que as tornam verdadeiras armadilhas que favorecem os riscos de acidentes, especialmente para crianças e idosos. Não se costuma pensar na prevenção de acidentes quando se constrói ou se decora uma residência.
A palavra-chave nesse caso é adaptar e não mudar completamente. Simplificar, e não destituir o ambiente de seus adornos e decoração. Modificar o ambiente para as necessidades particulares do paciente, e não mais que isso. Devem-se balancear as necessidades do cuidador e do paciente, pois os dois vivem nessa casa e o bem-estar e conforto devem ser para ambos.
Outra palavra-chave no gerenciamento para lidar com o cotidiano é bom senso.
De acordo com esse conceito básico, é necessário que, após o diagnóstico, seja analisado com visão crítica o ambiente onde o paciente vive. A primeira análise mostrará vários aspectos ambientais, potencialmente perigosos, que devem ser mudados ou adaptados imediatamente, como a presença de tapetes e tacos soltos, cantos vivos em mesas e móveis, portas de vidro etc. Fácil acesso aos registros de gás e água, eletrodomésticos perigosos, janelas altas sem grades ou telas de proteção, amontoamento de móveis que prejudicam a circulação, objetos pesados e às vezes valiosos colocados em locais de fácil acesso, ambientes com portas cujas fechaduras podem propiciar que o paciente se tranque e depois tenha dificuldade em abrir, escadas franqueadas e vários outros aspectos físicos devem ser considerados e, se for o caso, solucionados.
Essas medidas, de caráter geral, independem da característica particular de cada paciente, devendo ser adotadas imediatamente após o diagnóstico ter sido estabelecido.

Objetos perigosos
Todos os objetos perigosos devem ser removidos, especialmente os pontiagudos, cortantes, quebráveis ou pesados, como ferramentas, lápis, objetos de vidro e cerâmica, pequenos objetos como alfinetes, agulhas, botões, moedas etc., que podem ser engolidos. É fundamental checar no mobiliário potenciais perigos, como gavetas pesadas que podem cair nos pés ou prender os dedos, saliências pontiagudas e cortantes, mesinhas e cadeiras com rodas de fácil deslizamento etc.
Sofás e poltronas altos, revestidos de material lavável e impermeável, amplos e com braços, são os mais indicados. Os tapetes são totalmente dispensáveis e devem ser removidos pelo alto risco que representam. O piso para pacientes não incontinentes pode ser acarpetado, preferencialmente confeccionados de material lavável, porém os pisos vinílicos antiderrapantes são a escolha ideal. Atualmente, existem no mercado várias opções de cores e padronagens que proporcionam um ambiente seguro, caseiro e aconchegante.
É importante certificar-se de que não há extensões ou fios atravessados na área da circulação.
As lâmpadas descobertas são fontes de possíveis queimaduras, devendo estar protegidas e inacessíveis a um contato ocasional. As instalações de lâmpadas acima das portas principais de acesso aos outros cômodos da casa são aconselháveis.
A decoração das paredes com fotos de família ou pinturas de motivo agradável e repousante deve ser mantida. As molduras devem estar muito bem fixadas à parede de forma a impedir que caiam facilmente.
As etiquetas e placas de identificação são extremamente valiosas. Placas indicando “banheiro” ou “guarda-roupa”, ou mesmo fotografias de um banheiro colocadas à porta do banheiro do paciente e outras soluções criativas acabam por criar uma melhor orientação. A porta do banheiro em cor chamativa, como vermelho, a porta de acesso à sala em verde, os armários em azul e assim por diante ajudam muito a orientação do paciente.
Em alguns países, existe um rádio-relógio com fita cassete acoplada que, por ser programável, para de tempos em tempos para dar instruções como “atenção, hora do remédio” ou “hora de urinar” etc. O guarda-roupa deve conter apenas as peças absolutamente necessárias. O uso de etiquetas ou desenhos de identificação nas portas e gavetas com os dizeres “meias”, “camisas”, “vestidos”, “sapatos” é particularmente útil.
Dependendo do estado do paciente, deve-se analisar a possibilidade de remoção da porta dos armários e das tampas das gavetas, a fim de garantir a visualização do interior desses compartimentos e facilitar a escolha das roupas.
Os espelhos também devem ser removidos, pois o paciente pode não se reconhecer e se assustar.
Apesar dos aparentes transtornos com todas essas modificações e, evidentemente, com a singularidade dessa decoração, não se deve minimizar o valor dessas providências, elas realmente funcionam.


As camas convencionais com grades ou proteções laterais são as mais indicadas, de modo a não afetar psicologicamente o paciente com a lembrança de um ambiente hospitalar. As camas convencionais facilitam as saídas espontâneas e, por serem mais baixas, minimizam os efeitos de uma eventual queda.
Muitos acidentes ocorrem nas horas críticas do rush da manhã e durante a noite quando o paciente se levanta. As consequências de uma queda são extremamente sérias, com a possibilidade de fraturas graves como a de fêmur ou até mesmo de crânio. Dependendo da fase e do grau de confusão mental, será definido o posicionamento da cama. Se o paciente ainda conserva o hábito de ir sozinho para a cama, esta deve estar em local que permita o acesso e a saída pelos dois lados. No caso de pacientes agitados e para prevenir as quedas pelos dois lados, a cama deve estar encostada em uma das paredes e fixada no solo, sem rodas.
No caso de paciente em estado de grande debilidade, as camas hospitalares são as mais indicadas, colchões especiais podem ser necessários.
A decoração deve ser simples e os objetos supérfluos devem ser evitados. Um comutador de luz deve estar ao fácil alcance do paciente quando deitado. Uma luz de vigília, acesa durante toda a noite, deve ser instalada, assim como a colocação de faixas de material fluorescente que indiquem o caminho do banheiro, para que o paciente não se perca quando se levanta à noite para urinar.

Banheiro
O banheiro é um dos locais mais perigosos de uma casa, por isso especial atenção deve ser dedicada às medidas preventivas de acidentes. Todas as soluções, medicações e produtos tóxicos devem ser removidos e guardados em local seguro e trancado. Tesouras, lâminas de barbear, lixas metálicas e outros objetos potencialmente perigosos também devem ser removidos, sem concessões. Comprimidos e objetos pequenos brilhantes e coloridos são uma verdadeira tentação para que sejam colocados na boca e, por vezes, engolidos.
Todos os aparelhos elétricos, secadores, rádios, aquecedores etc. devem ser removidos, assim como fios e extensões.
Barras de segurança devem ser instaladas na pia e no percurso normal para o acesso aos equipamentos como o vaso sanitário, box do chuveiro etc. O box e o vaso sanitário devem estar equipados com essas barras, que devem ser robustas e chumbadas na parede ou no chão. Além de fornecerem base efetiva de apoio e equilíbrio, essas barras desencorajam o paciente a se apoiar em suportes de toalha ou mesmo nas cortinas plásticas da banheira ou do box, propiciando quedas acidentais, de sérias consequências. De preferência devem-se usar as barras coloridas que contrastem com as cores das paredes, para facilitar rapidamente sua identificação.
A fechadura da porta do banheiro deve permitir abertura pelos dois lados.
As cadeiras de banho são muito úteis e podem ser móveis ou fixadas dentro do box.
No caso do uso de banheira, não se deve enchê-la mais do que um terço da capacidade; o paciente não deve permanecer sozinho no local em que ela está instalada. Existem cadeiras próprias para serem utilizadas dentro das banheiras, conferindo segurança e comodidade.
O vaso sanitário deve estar guarnecido com barras de segurança lateral que facilitem o ato de levantar-se e sentar-se. A altura dos vasos, dependendo de cada paciente, pode ser adaptada com módulos que acrescentam aproximadamente 15 cm à altura do vaso (sóculo) ou ainda podem-se usar as tampas de sanitário com adaptadores de altura.
A tampa do vaso deve ser rígida, evitando-se as acolchoadas que permitem ou facilitam um eventual deslizamento.
Normalmente os pisos de banheiro são de material escorregadio. É importante que sejam colocadas faixas de material antiderrapante ou, se possível, que o piso seja trocado por material rugoso, normalmente feito de material vulcânico.
Tapetes de borracha que se acoplam ao solo por sucção devem ser usados nas áreas críticas de acidentes: box, vaso sanitário etc.
O sabão líquido é mais prático e seguro que os sabonetes convencionais.
Os aquecedores a gás são potencialmente perigosos e devem ser eliminados.
Os chuveiros elétricos instalados dentro das especificações de segurança e situados em local de difícil acesso cumprem com mais segurança o objetivo de aquecer a água para o banho. Outra providência diz respeito à temperatura da água. Pacientes confusos podem se queimar involuntariamente pela dificuldade em discernir o quente do frio. Para evitar altas temperaturas, é relativamente fácil trocar a resistência dos chuveiros e instalar mecanismos de controle.
As maçanetas e torneiras devem ser de fácil manuseio, evitando-se as arredondadas e lisas, dando preferência às do tipo alavanca, confeccionadas em material leve. Dependendo do grau de confusão mental do paciente, as torneiras e maçanetas, às quais ele não deve ter acesso, podem ser confeccionadas de forma a poderem ser retiradas com uma simples chave de fenda e guardadas em local trancado. Quando o paciente for banhar-se, recolocam-se as torneiras necessárias, ajusta-se a temperatura desejada e, se houver necessidade, ou, se o paciente gosta de se demorar no banho, e se há convicção de que está em segurança, podem-se retirar as torneiras e voltar alguns minutos mais tarde.
Essa atitude deve ser seriamente pensada e só se aplica a situações emergenciais, como atender a um telefone ou à porta, e só na fase inicial da doença com leve comprometimento cognitivo.
O uso dos chuveiros manuais é útil e de fácil manuseio. Certos pacientes desfrutam melhor esse momento, com a possibilidade de direcionarem o jato durante o banho.
Os objetos de uso pessoal e de higiene devem somente atender às necessidades básicas e elementares. Uma toalha, sabão líquido, escova e pasta dental e papel higiênico são suficientes. Todos os outros objetos devem estar em local seguro.
Os bidês são dispensáveis e a sua retirada elimina um fator de risco nas quedas, especialmente traumas de crânio e da região torácica. A retirada ainda aumenta a área livre de circulação, facilitando o uso de aparatos úteis como cadeiras de rodas e cadeiras de banho.
Vale aqui também a regra de simplicidade e praticidade. Tudo que for supérfluo e desnecessário deve ser retirado do ambiente em questão.
Com bom senso e considerando as reais necessidades do paciente, encontram-se as respostas certas.


Depois do banheiro, a cozinha é o local mais perigoso da casa. Isso é facilmente entendido porque nesse ambiente há materiais tóxicos de limpeza, pisos escorregadios, panelas com alimentos quentes, bicos de gás, chama do fogão e outros perigos, como liquidificadores etc. Fornos, botijão de gás, facas e objetos cortantes, e objetos quebráveis como copos e louças em geral devem estar em local seguro e completamente fora do alcance do paciente. Só devem estar à mão os acessórios que não ofereçam perigo potencial.
Em alguns países, as empresas fornecedoras de gás colocam gratuitamente, mediante comprovação de residência do paciente com Alzheimer, válvulas de segurança específicas.
Os fornos elétricos modernos são fonte de graves acidentes e por isso devem ser mantidos em local seguro e inacessível. Não se deve permitir o livre acesso à cozinha do paciente desacompanhado. Trancar a cozinha pode ser uma solução. A colocação de uma tranca no alto da porta é uma boa alternativa.
Torneiras que se fecham automaticamente por mecanismo simples também previnem, no caso de esquecimento, desperdício e possível alagamento do local.
A geladeira também merece atenção. Alguns pacientes, se não são convenientemente supervisionados, podem abri-la e comer compulsivamente. Além das restrições evidentes aos pacientes diabéticos e portadores de doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca e hipertensão arterial, distúrbios gastrintestinais com vômitos e diarreias podem ocorrer, causados evidentemente por alimentação inadequada. A colocação de fechaduras na geladeira previne acidentes e evita essa possibilidade.
É interessante lembrar que, especialmente para aqueles que não são familiares ou cuidadores, apesar de as medidas aqui propostas parecerem excessivas e fantasiosas, elas são na realidade as únicas formas de prevenção e representam uma possibilidade de melhoria de qualidade de vida não só para o paciente, como também para todos que estão envolvidos na situação.
Para o verdadeiro cuidador que no dia a dia enfrenta uma série de situações inusitadas, a eliminação de uma possibilidade de imprevisto redunda em grande progresso. O caso específico de colocação de fechadura ilustra de modo claro como uma medida simples elimina definitivamente uma possível intercorrência, fazendo com que o acesso a alimentos e objetos perigosos e cortantes esteja sob absoluto controle e segurança.
Na cozinha também existe outra possibilidade de acidentes característicos que ocorrem com frequência. A ampla gama de produtos contidos em seu ambiente e a diversidade de coloração dos pacotes, temperos, fósforos e outros objetos especialmente plásticos atraem a atenção dos pacientes que podem levá-los à boca e degluti-los.
A ingestão de produtos de limpeza ou mesmo de condimentos fortes como pimentas em conserva pode ocorrer, desencadeando transtornos de variada gravidade. Dessa maneira, é importante que a cozinha esteja livre desses objetos, que devem estar em local seguro e inacessível ao paciente.
Normalmente os pisos são de material liso, o que pode provocar quedas.
A cozinha e os banheiros são áreas onde o piso pode estar molhado, úmido ou engordurado, potencializando o risco. Deve-se, portanto, avaliar a possibilidade de se colocarem faixas antiderrapantes ou, dentro das possibilidades de cada um, providenciar a troca por revestimento mais adequado com características antiderrapantes. A colocação de tapetes aderentes de borracha nas áreas críticas também é uma boa alternativa.
Assim como em outros cômodos da casa, a cozinha contém móveis que podem representar perigo se possuem cantos vivos, potencialmente cortantes. Móveis e mesas de vidro devem ser evitados e, se possível, eliminados. Ainda com respeito aos móveis, uma importante fonte de acidentes são as gavetas. A tendência é manter em gavetas superiores objetos pesados, como talheres. No caso de gavetas que podem ser retiradas totalmente do encaixe, há o risco de elas caírem nos pés do paciente, provocando ferimentos e fraturas. A colocação de fechaduras nas portas de acesso às gavetas ou a fixação destas de modo a não saírem totalmente dos encaixes deve ser providenciada. Uma outra solução prática é a mudança dessas gavetas para o nível mais baixo possível do móvel, reservando a parte superior para a guarda de objetos leves.


Especialmente no Brasil, a presença de escadas em casas é bastante comum. Os dormitórios geralmente estão no piso superior, e as áreas de convívio, no piso inferior. Essa ligação promovida pelas escadas é sede frequente de acidentes graves. É bom que se ressalte que, tendo em vista a multiplicidade de problemas imprevistos que ocorrem no dia a dia quando se cuida de um paciente totalmente dependente e da imprevisibilidade das reações, qualquer acidente, mesmo leve, conduz a situações de grande tensão e desespero. Uma simples torção de tornozelo no paciente demenciado pode refletir substancialmente no aumento da carga já suportada pelo cuidador e, além disso, transtornar e modificar rotinas preestabelecidas, prenúncio de um verdadeiro caos nesse difícil e trabalhoso convívio.
Em relação aos aspectos ambientais, a regra geral é utilizar todos os recursos possíveis, mesmo aqueles à primeira vista excessivos e bizarros, na tentativa de prevenir possíveis acidentes passíveis de serem previstos, pois, mesmo com todas essas medidas, acidentes podem ocorrer.
A regra então é eliminar os previsíveis e reservar energia e ânimo para outras ocorrências não suspeitadas.
As escadas devem ser equipadas com corrimão robusto e de fácil apreensão. A cor do corrimão deve ser contrastante com a parede e instalado apenas em uma parede lateral, correspondente ao lado onde a largura dos degraus for maior. Observa-se com frequência a instalação de corrimão nas duas paredes, e essa medida é inadequada por duas razões:

O paciente demenciado tem dificuldade para fazer escolhas e pode titubear quanto a que corrimão utilizar, o que aumentará sua desorientação e confusão, e consequentemente haverá uma instabilidade momentânea, aumentando o risco de queda.
Existe a possibilidade de o paciente resolver utilizar os dois corrimãos, o que certamente resultará numa posição incômoda, instável e antinatural, com probabilidade de queda.


Se os degraus são carpetados, é bom que se verifique se estão absolutamente presos, sem rugas ou saliências. Se o piso da escada é de material liso e, portanto perigoso, deve-se providenciar um revestimento com material adequado. O final da descida, ou seja, o piso que imediatamente se segue ao último degrau, também merece atenção, pois pisos de pedra ou madeira aumentam a probabilidade e gravidade das quedas. Os pisos devem ser de preferência revestidos de material que, de algum modo, funcione como amortecedores no caso de acidentes, como o carpete.
Dependendo do grau de deterioração ou ainda do comportamento do paciente, a colocação de portões ou restrições por grades às escadas deve ser instalada especialmente na parte superior.
Independentemente do grau de deterioração mental, as escadas devem ser obrigatoriamente muito bem iluminadas, de preferência 24 horas
por dia.
Uma medida complementar de segurança diz respeito à coloração da face anterior dos degraus.
A pintura ou colocação de placas fluorescentes de cor laranja, vermelho ou amarelo nesses locais aumenta a segurança, alertando o paciente e facilitando sua visualização quanto à indicação da altura a vencer.
Outra medida adicional de segurança é a sinalização das escadas: grandes flechas pintadas ou cartazes indicando a direção a seguir colaboram na orientação dos pacientes.
Essa medida é interessante, pois o paciente desorientado e com problemas de memória, no meio da descida, pode esquecer ou não entender o que está fazendo ali. Esse sentimento de abandono e confusão leva a uma agitação imediata, e, conforme o local onde isso está ocorrendo, a possibilidade de um acidente é considerável. Torna-se claro que a melhor medida de segurança é o acompanhamento e a supervisão constantes durante as 24 horas do dia. Como isso nem sempre é possível, as medidas aqui apontadas de alguma forma conferem ao paciente algum grau de independência e liberdade dentro do seu hábitat, com certa segurança e com o intuito de prevenir muitos acidentes.
Soluções mais sofisticadas como elevadores de escadas que são instalados no corrimão são de manejo relativamente simples. Os elevadores residenciais, embora úteis, são caros, e sua instalação, mesmo quando possível, é bastante complicada.

Viagens de carro

O paciente demenciado pode propiciar ao cuidador uma viagem de carro tensa e penosa. Ele pode assustar-se com buzinas ou ruídos altos de escapamentos, caminhões e mesmo com os reflexos dos vidros e espelhos do automóvel.
Tendo em vista a possibilidade de apresentar alterações súbitas de comportamento com agitação psicomotora, algumas medidas preventivas podem ser propostas. O lugar de escolha para o paciente ser transportado é o banco traseiro da direita. O uso de cinto de segurança é imprescindível, e, no caso do carro de quatro portas, travas que impeçam a abertura por dentro devem ser instaladas. Existem pacientes que desfrutam o passeio de carro, porém há outros que detestam. Normalmente, a resistência a viagens fica por conta do medo do desconhecido e da mudança súbita de ambiente, além do fato de ter seu acompanhante voltado para outra atividade, dirigir, em vez de estar com ele. Para contornar essas situações, não existem regras preestabelecidas. A colocação de algum objeto familiar que interesse ao paciente ou algo que o entretenha é uma boa medida.
Pacientes tensos e amedrontados às vezes se acalmam se são deitados no banco traseiro.
É fundamental verificar se não há no carro pequenos objetos que podem ser engolidos. Nunca se deve deixar o paciente sozinho dentro do carro, nem por um minuto. Ele pode soltar o freio de mão, sentir-se preso e tentar abrir as portas ou quebrar os vidros com consequências facilmente imagináveis.




De maneira geral, o mobiliário deve estar colocado de modo a permitir uma circulação fácil, desprovida de obstáculos. Os corredores devem estar bem iluminados e desimpedidos de vasos de plantas e qualquer mobiliário. Os fios elétricos e extensões não devem atravessar, sob nenhuma hipótese, as áreas de circulação. Móveis leves como cabideiros de entrada, que podem ser puxados, devem ser fixados à parede.
Nos casos em que o paciente, invariavelmente, tromba com determinado móvel ou parede, algumas medidas podem ser adotadas. Se não houver possibilidade da remoção do obstáculo em questão, a colocação de fitas ou placas fluorescentes, exatamente no local em questão, ou de uma fotografia que lhe seja familiar pode alertá-lo e chamar sua atenção, evitando o acidente.
As tomadas elétricas devem ser protegidas por artefato específico, que é de baixo custo e facilmente encontrado no comércio.
Outro fator de segurança é relativo aos locais onde o paciente possa se trancar. O dia a dia colabora de modo negativo para o estabelecimento de padrões de independência do paciente. Pacientes na fase inicial utilizam determinados ambientes como banheiros, trancam-se e depois saem normalmente. Com o passar do tempo, sem que familiares e cuidadores percebam, as dificuldades aumentam e subitamente as pessoas que acompanham o paciente estão diante de uma emergência.
O paciente entrou, trancou-se e não sabe destrancar a porta. Para evitar que isso aconteça e visando proporcionar o maior grau possível de independência, autonomia e dignidade, algumas medidas devem ser adotadas. A mais simples delas é que todas as portas possam ser destrancadas pelos dois lados. As fechaduras e maçanetas parecem atrair de maneira especial os pacientes demenciados, pois existem aqueles que ficam horas manipulando as maçanetas ou tentando abrir as fechaduras com uma chave imaginária. A simples mudança desses artefatos para lugares mais altos ou inferiores pode solucionar o problema. As maçanetas grandes e brilhantes ou coloridas atraem a atenção, e uma solução é trocá-las por maçanetas simples de coloração suave, de pequena dimensão. Com relação às fechaduras de modo geral, elas não devem ser do tipo bate-tranca, pois esse tipo favorece a possibilidade de o indivíduo permanecer só e confuso fora da própria casa, sem que possa retornar.
De preferências, as portas não devem estar com chaves, que devem ser guardadas em local seguro e devidamente identificadas para rápida localização. Uma medida alternativa é ter um jogo de cópias de todas as chaves da casa.
Quanto aos banheiros, medidas como a colocação de portas com vãos na parte superior ou inferior que permitam a visualização do interior se necessário asseguram alguma privacidade e aumentam o grau de supervisão. As portas devem abrir para fora do banheiro, de modo a tornar possível a abertura no caso de o paciente desmaiar e o corpo impedir a abertura para ser socorrido. A colocação de travas em posição alta ou junto ao chão é eficiente e não costuma ser percebida pelo paciente. Há outros recursos mais sofisticados, como a aplicação de sensores nas roupas do paciente, os quais acionam alarmes quando algum local vigiado é transposto.
Outra medida pouco usual, porém esteticamente favorável, é a colocação de fechaduras eletrônicas acionadas por códigos. A criatividade e as condições individuais de cada caso compõem o perfil de providências necessárias.
Existe um centro de cuidados diurnos na Califórnia, nos Estados Unidos, especializado em doenças de Alzheimer, onde, na impossibilidade de se manter um porteiro durante 24 horas por dia e tendo em vista que há uma grande circulação de familiares, instalou-se uma fechadura acionada por código numérico. Para os familiares acionarem esse dispositivo, colou-se uma placa acima do painel com os seguintes dizeres: “Para abrir aperte, as seguintes teclas 2-3-9-8-7 – AO CONTRÁRIO!”.
Essa medida inteligente limita os pacientes mesmo na fase inicial. Esse exemplo ilustra a enorme gama de possibilidades na adaptação ambiental, para o melhor convívio com o paciente.
Os passeios fora de casa devem ser incentivados, porém são sedes de grandes perigos, como a ingestão de substâncias inadequadas entre elas as plantas tóxicas, especialmente frutinhas de árvores, formigueiros e um sem-número de outras possibilidades.
O risco de intoxicação e envenenamento é bastante provável quando se permite que o paciente fique desacompanhado no exterior de casa. Fora de casa, no quintal ou em outras áreas externas, a supervisão é sempre mais complicada. Os locais externos também podem estar molhados e apresentar saliências e depressões no piso, o facilitará quedas acidentais.
Em locais próximos de lojas, piscina ou no carro, nunca se deve deixar o paciente desacompanhado.
Quanto às piscinas, pessoas que costumavam nadar esportivamente podem esquecer-se dos movimentos, confundir-se e afogar-se mesmo em locais rasos.
Com uma lista de verificação, é possível saber o grau de segurança da residência. Ao lado de cada perigo potencial, estão as providências a serem adotadas. A tabela abaixo apresenta uma lista que deve ser utilizada periodicamente.





Substâncias venenosas

Retiradas

Medicamentos

Guardados

Tapetes antiderrapantes

Colocados

Barras de seguranca

Instaladas

Prevencao de queimaduras (chuveiros)

Regulados

Circulação

Desbloqueada

Superfícies deslizantes

Protegidas

Espelhos

Cobertos/Retirados

COZINHA

Eletrodomésticos perigosos

Fora de alcance

Superfícies cortantes

Protegidas

Objetos perigosos: facas, espetos

Guardados

Materiais tôxicos: detergentes, etc.

Retirados

Superfícies lisas

Protegidas

Pequenos objetos passíveis de serem engolidos

Retirados

ESCADAS

Piso liso

Revestido

Tapetes soltos

Retirados

Acessos livres

Bloqueados

Corrimão

Instalado

Portoes de acesso com trava

Colocados

Luz de vigília

Instalada

QUARTO

Luz de vigília

Instalada

Lâmpadas, aquecedores, tomadas

Protegidas

Interruptores de difícil manejo

Trocados

Tapetes

Retirados

Espelhos

Retirados

Móveis muito baixos: cadeira, sofá

Trocados/adaptados

Cama alta

Trocada/adaptada

Extensoes elétricas

Retiradas/embutidas

Quadros pesados

Fixados/retirados

Superfícies cortantes

Protegidas

Tacos soltos

Colados

Abajur

Fixado


Fonte: AlzheimerMed

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